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[Capítulo 10] Diários de bicielétrica

Os desafios da mobilidade urbana para década atual

Desde os protestos de junho de 2013, durante a Copa das Confederações, que o tema mobilidade urbana tomou as principais pautas dos fóruns de discussão. O crescimento econômico do país, pautado na desoneração de impostos para aquisição de automóveis, promoveu a explosão do consumo automobilístico. Sem o devido aumento na quantidade de vias nas metrópoles, foi observado o estrangulamento do trânsito, com o aumento substancial no tempo das viagens intra-urbanas. As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) demoram, por maior que seja o esforço e boa vontade por parte dos gestores. Metrôs, VLTs e novas vias que representam a esperança em dias melhores, no entanto, ficarão prontas, quem sabe, para Copa da Rússia. A sociedade, na ânsia de mitigar o problema crescente de mobilidade urbana, adotou medidas alternativas, como uso de aplicativos para compartilhamento de viagens, a famosa carona. Além disso, o uso das bicicletas voltou à tona com a rápida inserção de ciclovias em cidades como Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro.

O transporte em duas rodas foi adotado por uma parcela da população, que preferiu deixar os automóveis em casa para realizar as viagens ao trabalho, faculdade, padaria, etc. A boa imagem de ecologicamente correta atribuída à bicicleta, assim como os benefícios para saúde, trouxe para este meio de transporte vários usuários de primeira viagem, assim como resgatou do ostracismo o trabalhador da classe pobre, que sempre adotou a bicicleta como solução de transporte, independente de modismo ou outros rótulos. A mobilidade em duas rodas tem muitos argumentos positivos e uma legião de defensores, porém as vozes contrárias, típicas de quem nunca pedalou, dificultam a adoção em massa do pedal. Em países como a Holanda, a bicicleta representa 26% das viagens realizadas num dia. Os principais pontos divergentes são que nosso clima não é propício para o uso da bicicleta, a taxa de criminalidade alta, falta de respeito dos motoristas e falta de estrutura cicloviária.

Analisando por partes a se iniciar pelo clima, é sabido que o Brasil é um país tropical, com temperaturas médias em torno de 20º, e isto não tem como mudar. Entretanto, existem ações para minimizar o impacto da questão do clima, as empresas podem dotar suas infraestruturas com vestiários, facilitando assim a rotina dos aderentes da bicicleta. Já existem iniciativas de governos como o da França que incentiva os trabalhadores para o uso da bicicleta, remunerando-os por quilometragem. As bicicletas elétricas não são novidade, mas retornaram com força desde 2012, com nova tecnologia, aumentando a autonomia das viagens e o aumento do ciclo de vida das baterias. Com o pedal assistido pelo motor elétrico, o usuário despende menor força, reduzindo a quase zero o esforço físico e o suor. A questão da criminalidade atinge transversalmente a todos, independentemente do meio de transporte escolhido. Sabe-se que o roubo em automóveis visa, em parte, o uso dos mesmos em outros assaltos, então não seria interessante o roubo de uma bicicleta para prática de crimes. Se este raciocínio não parecer válido, basta comparar a taxa de furto e roubo dos dois modais. Já a questão da educação dos motoristas depende de campanhas educativas massificadas e de fiscalização coercitiva, com aplicação de multas, num modelo similar à tolerância zero. Este método não serve apenas para obter o respeito dos motoristas para com os ciclistas, mas também para o trânsito em geral, que é muito caótico, infelizmente, pela falta de fiscalização do poder público.

munique

Agora a questão principal: a estrutura cicloviária das metrópoles não é ideal, porém está sendo ampliada com projetos amparados pelo PAC e por iniciativa de fundos internacionais, como o BID que aplicará U$$ 1,5 milhão em um projeto piloto de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas em Fortaleza. O grande impasse sobre a infraestrutura é que o governo só investirá maciçamente se sentir-se pressionado pela sociedade. Não é possível atingir uma massa crítica de usuários se estes ficam inertes aguardando as condições ideais surgirem sem luta. O cidadão tem que usar a bicicleta, forçando o governo a melhorar a estrutura cicloviária, o motorista a respeitar e só assim teremos um círculo virtuoso de mobilidade. Enquanto isso em São Paulo, cidade que pretende construir 500km de ciclovias durante o mandato do prefeito Fernando Haddad, vai enfrentando o conflito de interesses dos comerciantes que se dizem prejudicados pela construção de ciclofaixas defronte seus estabelecimentos, declarando que aquela estrutura impede o acesso dos clientes. Talvez impeça sim, o estacionamento irregular, ou talvez o estacionamento regular, porém numa democracia o interesse público deve pautar os projetos de mobilidade. A reeducação aliada à mudança de costumes deve lapidar e diminuir as resistências dos representantes da “carrocracia”.

A imagem acima do departamento de trânsito de Munique é emblemática. O modelo baseado no carro não será substituído e tampouco os governos tem esta pretensão, porém precisa ser reajustado para o universo que o representa, diminuindo os privilégios destes usuários para um nível justo. No Brasil, 70% do trânsito é composto por automóveis particulares que transportam apenas 30% da população. Já os meios de transporte públicos, que comportam 70% da população, precisam ser valorizados e privilegiados, com a construção de vias rápidas e exclusivas (Bus Rapid Transit), além da renovação da frota, provendo mais conforto para os usuários, com taxas mais justas e a integração de todos os modais principais (ônibus, metrô, VLT) e modais secundários (transporte alternativo e sistemas de bicicletas compartilhadas). Muitas lições ficaram dos movimentos de junho de 2013, contudo, o mais permanente até hoje é o debate sobre mobilidade urbana. O tema não se pode limitar a projetos de curto e médio prazo, pois para mudar costumes é preciso um prazo bem maior e políticas educativas mais constantes. O que fazer? Sair da zona de conforto, ou melhor, sair do engarrafamento e pedalar pode ser uma ótima solução.

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