Reflexão sobre torcedores mistos
Final do ano passado, escrevi sobre o tema a crônica “Cada vez mais, Suassuna”. Senti a necessidade de fazê-lo de novo. Falo daquele que torce por dois clubes de futebol ao mesmo tempo. Um, de seu Estado, e o outro, de fora de sua região, normalmente do eixo RJ/SP. Em Alagoas, tais torcedores são referidos por alagoriocas e alagolistas. Mais pejorativamente, paraibacas. Registro, de antemão, o meu respeito. O que não significa que tenha de achar legais essas opções. Meio de brincadeira, digo que existe uma gradação nessa “mistura”. É que há uns que são mais (ou menos) mistos do que outros.
No centro, bem no meio estão os supermistos. Misturadíssimos ao ponto de não saberem por que time torceriam estivessem os “seus” disputando uma partida de futebol entre si. Puxa, que dilema, hein? A solução para eles é o empate. São os supra-sumos, perfeitamente mistos. Difícil deixarem de sê-lo, mas é possível.
Nas extremidades estão os imperfeitos. Não são misturados igualmente, meio a meio, como os suprasumos. São os regionais, que torcem mais pelo clube do seu Estado do que pelo de fora, e os estrangeiros, que torcem mais pelo de fora. Quanto a estes últimos, “jogue a toalha”, pois já se decidiram. Os regionais podem, sim, mudar para falsos puros (veja adiante). Pelo menos a sua preferência já é pelo time de dentro. Têm mais chance do que os supermistos.
Finalmente, ao redor há os falsos mistos e os falsos puros. Os primeiros dizem torcer pelos dois, como se supermistos fossem, mas na verdade só torcem mesmo pelo de fora, no fundo até desprezam o de sua região (pior do que os estrangeiros: praticamente impossível a conversão às raízes). Os segundos são pré-mistos (ou simpatizantes): simpatizam com o clube de fora, mas neles não se verificou a mistura (é meio óleo na água, percebe?). São quase torcedores de um time só (o do seu Estado). Não há com que se preocupar, porque os pré-mistos somente demonstram sua preferência pelo time de fora em situações excepcionalíssimas, onde não há nem sombra do seu time do coração por perto. Seus recursos, esforços e seu amor têm destinatário e dono exclusivo: o time do seu Estado. Exemplo: contribuem com “campanhas”, como a de sócio-torcedor, assistem aos jogos no estádio (pagando o ingresso!), adquirem a camisa do clube da terra, marcam exclusivamente o time do seu Estado na “TIMEMANIA”, jamais trocariam assistir a um jogo do seu clube, por um de que participe o time por que simpatiza, e por aí vai.
Brincadeiras à parte, mas que eles existem, com as características citadas acima, existem, sim! E tenho a convicção de que essa circunstância de haver tanto alagoano torcedor de clubes do sul/sudeste é extremamente prejudicial ao futebol alagoano, além de significar, essencialmente falando, desprezo pelo futebol de sua região. Isto é, pelo “seu” futebol! Que não é o do Rio de Janeiro ou de São Paulo, mas o das sofridas, pequeninas, maltratadas, exploradas, saqueadas, mas belas e valorosas Alagoas. O prestígio ao futebol de nossa região, ao contrário, conquanto igualmente sofrido e, não raro, (mal)explorado, como, de resto, muito do que somos e temos, reforça e nutre a nossa auto-estima.
Auto-estima, porque temos a mania (já é cultural, infelizmente, vide o “Se no Recife tem, na Casa do Colegial também tem”, que ouvia desde pequenino) de só dar valor ao que é de fora, ao que é dos outros, e aos outros. Imitamos e enaltecemos seu modo de vida, suas gírias, seus gostos… até seu sotaque pagamos o mico de imitá-lo (quem nunca percebeu algum conhecido, já até de barba na cara, chiando após passar um reles fim de semana no Rio de Janeiro?).
Outro dia, conversando na Pajuçara com um lateral recentemente vendido ao futebol carioca, quase deixei-o falando sozinho. O cara tava mais carioca do que o da gema! Como diz aquele ator de teatro: Ô mulé, deu uma pena…! É que ele quer ser um deles, ora bolas! E se envergonha de suas origens… Outra: há pouco tempo um colega, pretendendo justificar sua predileção por um clube de São Paulo/SP, disse-me que o fazia pela mesma razão porque se quer ter o melhor celular, o melhor carro, etc. Putz, confesso que me bateu uma tristeza danada ouvir aquilo…
Mas não é fácil, há de se compreender e resistir à colonização massificada e diuturna da grande mídia (e às vezes até de integrantes da própria mídia esportiva tupiniquim), que incansavelmente nos bombardeia com a divulgação, publicidade, destaque e exaltação dos clubes de seus Estados (notadamente Rio de Janeiro e São Paulo), condenando-nos a conhecer as suas competições regionais e, pasmem, até a assistir, em horário nobre de TV, a jogos dos ditos grandes contra os minúsculos de lá, num total desprezo a nós mesmos e aos clubes de nossa região, muitas vezes com os aplausos efusivos dos conterrâneos que enaltecem os times de fora em detrimento dos dele, ou melhor, dos de suas raízes.
Há alguns alentos, porém, que nos fazem acreditar em mudança. Parte da imprensa vez por outra toca no assunto, ressaltando a importância de resgatarmos nossa auto-estima, torcendo por nossos clubes em detrimento dos de fora. Alguns valorosos torcedores regatianos, por sua vez, que diariamente estão no fórum do sítio Futebolalagoano.com, lançaram a excelente campanha “Torça apenas para o time de seu estado”, para, pela via respeitosa do exemplo, sensibilizar os mistos em geral a darem valor ao futebol do seu Estado, ao que é seu, a si mesmos. Os pernambucanos, nossos vizinhos, são um ótimo exemplo a ser seguido. Em primeiro, segundo, terceiro, quarto lugares…, os times deles. Admirável!
Não podemos e não devemos idolatrar os times de fora. Como temos nossos amigos, nossos pais e irmãos, nossa casa, nossa cidade, nosso cachorro vira-lata (e não os trocamos por ninguém ou por nada), também temos nossos clubes! Não são maiores, em grande parte porque nós não lutamos por eles, não os valorizamos, nos omitimos, não os amamos incondicionalmente. Não são ricos, porque deixamos que os explorem, porque somos passivos, porque negamos nosso socorro. Só a receita pela venda de camisas de clubes de fora, que vemos tristemente desfilando pela cidade, já seria de enorme ajuda aos clubes da terra, fossem dos da terra a maioria das camisas que se vê nas ruas. Não podemos esquecer que somos alagoanos (ou aqui nos fixamos). Somos nossos clubes. Somos CRB, CSA, ASA; somos Ipanema, Penedense, Murici, Igaci, Santa Rita, Corinthians Alagoano, Coruripe. Somos nossa história, nossas raízes, nosso chão. Brio, amor e orgulho. Do que somos e do que temos. Temos futebol! Quando a gente não dá valor ao que é e ao que tem, é a auto-estima que se perde. Sem auto-estima é o fim. Acordemos!
Fonte: Crônica de André Falcão de Melo no site Bolagoana.
Como é bom ler um texto tão bem escrito, conscientizando as pessoas a amarem as coisas que é de seu estado, no caso os times de futebol do nordeste. Se esses torcedores mistos soubessem como são tratados aqui em São Paulo (chamados genericamente de baianos) ou no Rio (pra esses, todos são paraíbas), eles teriam vergonha de se declararem flamenguistas, corintianos ou qualquer outro time do eixo São Paulo-Rio.
Bom dia, André Falcão de Melo !
Sou paulista, torcedor fanático do Santos F.C.
Quem escreveu esta crônica está VERDADEIRAMENTE de parabéns !
Fazia tempo que não me emocionava tanto quanto o assunto é futebol… E olha q nem sou nordestino…
Detalhe: Quando lia, estava escutando “Vila do Sossego” e “Chão de Giz” na voz de Zé Ramalho…
Chorei muito… Parabéns, meu !